O panapaná indígena

Crianças indígenas, enfileiradas lado a lado, apresentam canções de seus ancestrais no centro das grandes metrópoles, enquanto suas mães debruçadas em paredes ou pilares, expõem os seus trabalhos artesanais. Crianças brancas pintam suas caras nas escolas de todo o país. Semáforos testemunham os olhos amendoados, cheios de esperança, de pequenos índios na busca por uma moeda. Estes com certeza são apenas alguns dos contrastes evidenciados hoje nas cidades, em razão de anos de exploração de ontem, anteontem e de todos os dias destes 511 anos de Brasil. A forma como o índio é tratado nos dias atuais pouco se difere dos tempos da chegada das naus portuguesas.

Claro que hoje a matança é insignificante em relação a da época, porém hoje existem outras formas de silenciar suas vidas e estancar suas vozes. Não é mais necessário pegar em armas, basta os arrancar de seus habitats, tornando impossível sua forma de sobreviver, ou obrigar a migração para cidade, para mendigar, e assim o integrar na sociedade “branca” mesmo contra sua vontade.  Fazer com que vivam de seus “folclores” e da pena de executivos apressados. Introduzir o álcool e as drogas em suas vidas, como alternativas de esquecer os problemas enfrentados, desde de o dia do nascimento, é mais um meio de liquidar com suas vidas.

Todas estas ações parecem uma tentativa de levar a eles tudo que há de nefasto dentro de uma civilização, ou os trazer a civilização para que conheçam o nefasto no coração da escuridão dos centros urbanos.Não é toa que muitos indígenas chamam o dinheiro de “folha triste“, pois enxergam nele toda a motivação para a maldade exercida contra seus povos. Existem ainda hoje no Brasil, indígenas isolados que fogem a todo custo dos homens “brancos“, provável que já tenham tido alguma experiência passada de aproximação. Os traumas fizeram com que sempre buscassem a terra sem males, inalcançáveis pelos avanços da civilização. A mesma civilização que trouxe e estimula a venda de bebidas alcoólicas próxima a aldeias indígenas, as vezes por brancos outras por índios marginalizados, contrariando as leis vigentes que proíbem a venda deste tipo de mercadoria nestes locais.

A prostituição é mais um artifício que leva forçadamente mulheres e meninas indígenas das aldeias para as cidades. Mesmo tendo suas vidas violentadas das mais diversas formas, ainda são visto como selvagens, símbolos do atraso, e sem nenhum diálogo são expulsos de suas terras, em nome do avanço. Assim o índio tem seu habitat cada dia mais reduzido, o que também ocorre com sua razão de viver.

Ter tornado as civilizações indígenas pária em um território que historicamente é seu, foi apenas um resumo de anos de exploração, anos sem voz. Mais de quinhentos anos se passaram e muitos continuam achando que o índio é uma folha em branco que pode-se escrever o que quiser, da mesma forma que descrevia Pero Vaz de Caminha em sua primeira carta ao pisar nesta plagas.

Em 1.500 estimava-se que existiam cerca de 6 milhões de índios. De lá pra cá, com a matança, escravismo e catequização forçada, tivemos uma diminuição absurda desta população.

Se analisarmos apenas as duas últimas décadas, Os índios viram muitas tragédias, foram expulsos de suas aldeias por hidrelétricas e fazendeiros, sentiram muita fome nas cidades, não foram escutados, se tornaram escravos no campo, foram queimados vivos. Se tornaram sem terra, foram confundidos com mendigos, foram assassinados em conflitos por terra, retratados como praga, chamados de indolentes. Povoaram pontes e viadutos, armaram barracos na beira de estradas, dormiram no chão, esmolaram muito pela sobrevivência e tornaram-se até atração de zoológico. Viram enormes florestas serem devastadas assim como suas vidas desde os tempos de escambo.

Já bastava que suas histórias pertencessem a um folclore longínquo, e não a história da pátria que não acolhe e nem respeita seus filhos. Já bastava que nas escolas são estudados superficialmente, sem que se mencione as suas culturas, diferenças, troncos lingüísticos e família lingüística. O esquecimento de sua cultura é evidenciado todos os dias e também no fato de o maior estudioso dos grupos indígenas brasileiros ter sido um alemão, Curt “Niemandaju” Unckel, que escreveu mais de 50 livros sobre mais de 40 tribos brasileiras,  dos quais menos de dez foram traduzidos para o português.

Hoje é Dia do Índio, mas o que eles teriam para comemorar. Comemorar anos de exploração? Celebrar o desrespeito as suas crenças? Festejar a desapropriação de suas terras? A catequização forçada? A marginalização? Suas lágrimas? O que devem comemorar?

O cidadão indígena quer apenas sobreviver em paz, ter o que comer, onde morar. Não se tratam de seres sedentos por dinheiro e poder, salvo alguns já hipnotizados pelas riquezas do universo “civilizado”. A grande maioria só quer a garantia de um futuro digno para que todos da aldeia possam viver bem. Isso para eles é como voar, um sonho distante, e por isso lutam. Não por um sonho individual, mas por um desejo coletivo de viverem em paz nas florestas, e sempre juntos, como em um panapaná.

Sobre Roberto Kreitchmann

jornalista e escritor
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Uma resposta para O panapaná indígena

  1. elisabete kreitchmann disse:

    Textos maravilhosos,inteligentes,atuais e palpitantes.Aguardo novo texto em breve

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